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terça-feira, 6 de abril de 2010

Coração apertado

Hoje acordei com meu coração apertado. Por um lado as chuvas que desabaram intensamente durante toda a noite sobre o Rio de janeiro trazendo apreensão e transtorno para centenas de pessoas enquanto eu dormia profundamente, por outro a data especial, meu aniversário, que movimenta corações queridos em lembranças e telefonemas constantes que me enchem a alma de júbilo e felicidade.

Devido à chuva, acabei ganhando um dia de folga, junto à minha família, na segurança de meu aconchegante e seco lar enquanto outras pessoas encontram-se ilhadas, aflitas e cansadas. Muitos perderam familiares, negócios e casas e agora vivem momentos em que precisam de fé e esperança. Dezenas de equipes de médicos, policiais, bombeiros, jornalistas, entre outros se empenham para fazer o melhor possível, vencendo o cansaço e superando os desafios propostos pelo planeta.

Estes dois sentimentos conflitantes acabaram me levando às questões da justiça das aflições, conforme proposto em O Evangelho Segundo o Espiritismo no capítulo V, entitulado “Bem Aventurados os aflitos”.

Eu, carioca, residente no sexto andar de um prédio da zona sul, encontro-me em absoluta segurança e só me dei conta do sofrimento de milhares de pessoas porque liguei a televisão ao acordar para saber das condições de trânsito antes de sair para o trabalho. Residindo e trabalhando em regiões que foram afetadas pelas chuvas, escapei de “passar por transtornos” porque decidi encerrar meu dia de trabalho ontem mais cedo e ir diretamente para casa. Ainda cheguei em casa reclamando porque estava todo molhado, sem me dar conta da quantidade de pessoas que moram nas ruas e que passariam uma noite muito difícil, que passariam a noite na rua sem conseguir ir para casa, que teriam suas vidas arrebatadas por alagamentos e deslizamentos.

Na realidade, agora, enquanto escrevo, é que me dou conta da enorme quantidade da pessoas que ainda sofrerão bastante em função destas chuvas devido a doenças adquiridas, negócios perdidos, parentes desencarnados e casas destruídas.

É claro que a doutrina espírita nos ensina que conseguimos atingir apenas estados passageiros de felicidade nesta vida e que, na realidade, nossas encarnações caracterizam-se por oportunidades de grande aprendizado cunhadas através de situações desafiadoras.

Entendemos pela leitura do capítulo III de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Há muitas moradas na casa de meu pai, que estes momentos de tormento ainda são necessários para que possamos aprender a fazer as melhores escolhas. Já buscamos conforto e estímulo à luta pelos ensinamentos contidos nos capítulos II e VI, “Meu reino não é deste mundo” e “O Cristo Consolador” respectivamente, e nos sentimos plenamente convidados a lutar até as últimas forças a fim de chegar a uma vida melhor.

Meu pensamento, entretanto, posicionou-se no outro lado, no lado daqueles que saem ilesos destas catástrofes, no lado das pessoas que respiram aliviadas ao constatarem que, por pouco, não enfrentaram dificuldades e que são arrebatadas por um grande sentimento de felicidade e gratidão. Pessoas que, como eu, sentiram vontade de mudar a rotina do dia e, ao ceder a esta vontade, escaparam de enchentes, desabamentos, apagões, violências e outras situações de sofrimento material.

Onde a verdadeira desgraça? Será que todos os desgraçados encontram-se entre aqueles que não estão em segurança, que perderam seus negócios, suas casas ou até mesmo suas vidas? Será que o fato de estar em segurança em minha casa tira-me do grupo dos desgraçados, pelo menos no dia de hoje?

A orientação de Delfina de Girardin, recebida em Paris no ano de 1961 e transcrita em O Evangelho Segundo o Espiritismo no capítulo V sob o título “A desgraça real” nos dá uma pista importante para responder a este questionamento. Delfina nos ensina que não é o fato material em si, mas as suas conseqüências, a forma como nos portamos a partir dele que conta.

Será que as pessoas, atingidas pelas chuvas ou ilesas, estão aproveitando este momento para praticar o mandamento maior do Cristo, “Amai a Deus sobre todas as Coisas e ao próximo como a si mesmo”?

Ouvia no rádio agora há pouco sobre o porteiro que permitiu que pessoas, presas em seus carros sem condição de retornar ao lar pudessem usar as dependências do condomínio para sentirem-se um pouco mais confortáveis.

Os noticiários da televisão relatam pessoas que estão com suas casas em situação de risco e se movimentam para amparar vizinhos e desconhecidos que tiveram suas casas destruídas ao invés de tentar salvar seus bens.

Neste dia bombeiros, médicos, enfermeiros, policiais, Garis, engenheiros, jornalistas e muitos outros trabalham para atender aos que sofrem com a maior dedicação possível, esquecidos das possíveis desgraças que podem ter afetado seus próprios lares.

Dezenas de seres que viveram e venceram momentos difíceis na noite de ontem encontram-se unidos a outras dezenas que passaram a noite em segurança para atender às urgências do Rio de Janeiro.

Grupos religiosos já se movimentam por telefone, email e redes sociais para criar redes de oração e pensamentos positivos em favor dos que sofrem e dos que precisam coordenar ações de socorro e amparo.

Acho que temos um bom exercício de sensibilidade e amor ao próximo para desempenhar. O que será que cada um de nós, afetados ou não pela chuva, tem a oferecer? Quem sabe um pensamento de indulgência, de paciência, de esperança? Quem sabe um pacote de biscoitos, um cobertor? Talvez um sorriso e mais uma mão para retirar os entulhos que dificultam a passagem?

Que possamos viver a mensagem do Cristo intensamente neste momento. Que possamos abraçarmo-nos neste momento de dor e sofrimento.

2 comentários:

  1. ler essas linhas realmente me remeteu a uma reflexão profunda.
    Obrigada por compatilhar essa visão com os outros e despertar um pouco do "eu" e pensar no "nós"

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  2. Muito obrigado pela sua reflexão.
    Eu tambem estou sequinho e bem protegido e nesse momento percebo gratidão. Fizemos uma prece em familia em minha casa. Meu sobrinho estava aqui, doentinho, e na oração direcionamos o pensamento para os sofredores das ruas, dos desabamentos, os que estavam desencarnando. A febre passou e ele ficou de bom humor o resto da manhã. Acho que ele ficou melhor só por perceber que tinha gente sofrendo mais que ele.
    paz a você amigo.

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