Mortes prematuras
Este artigo tem por objetivo olhar para o contexto em que há promoção de mortes prematuras; quais sejam o suicídio, a eutanásia, a ortotanásia, o abordo ou quaisquer outras modalidades de ação que visem definir pelo uso do livre arbítrio o encerramento de encarnações sem que as possibilidades biológicas tenham sido esgotadas; buscando compreender de forma ampla as bases de pensamento que levam a tais ações, as dores e aflições decorrentes das mesmas, possíveis caminhos para que o espírito encarnado possa lidar de uma forma positiva com seu passado e estruturas de pensamento profilático para que nos cenários de dores superlativas seja possível optar por caminhos menos dolorosos.Muito se tem falado sobre as dinâmicas sociais modernas que parecem supervalorizar as possibilidades de promoção de morte prematura apontadas por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos e em O Evangelho Segundo o Espiritismo como entraves sérios para a felicidade espiritual e que estão sendo vistas pelas sociedades como boas soluções para sofrimentos superlativos.
Centenas de grupos ativistas tem se mobilizado pelo mundo polarizando esta discussão. Buscam sensibilizar a população ao assunto levando-a a tomar partido e buscam legalizar ferramentas que possam servir aos seus propósitos.
Há países em que legal e culturalmente algumas modalidades de mortes prematuras são aceitas sob a mais variada gama de argumentos enquanto outros se mostram absolutamente intolerantes resgatando princípios éticos, religiosos, filosóficos e econômicos também das mais variadas ordens.
No meio do intenso debate identificamos milhares de pessoas a favor ou contra que vertem suas impressões pelas ruas, buscando alternativas para evitar a promoção de mortes prematuras ou para promovê-las.
Mesmo julgando importantes estes debates e ações por promoverem o aprimoramento das relações sociais, o espírito crítico entre as pessoas e o estabelecimento de políticas em acordo com a liberdade coletiva, percebemos a necessidade premente de encarar a promoção de mortes prematuras como sintoma de um fenômeno mais complexo que tem suas origens em questões filosóficas antigas que deságuam na contemporaneidade sob diversas formas de pensamentos religiosos, filosóficos, científicos e até mesmo artísticos.
Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Estas perguntas continuam a ser atuais por muito tempo nos movimentarão como seres dotados de pensamento contínuo e de capacidade de raciocínio concreto e abstrato.
Já identificamos a impossibilidade de ações mecanicamente motivadas a partir de gatilhos instintivos que regem o mundo animal, mas não o hominal, pelo menos não em um número significativo de ações.
Necessário se faz, portanto, aquiescer que por traz de cada ação/pensamento/construção humana é possível mapear uma intencionalidade, mesmo que movida pela pulsão inconsciente do ser. Não há ações não intencionais na vida do Homem! O que caracteriza o momento evolutivo em que nos encontramos. Somo criaturas desafiadas ao desenvolvimento dos potenciais espirituais mais sublimes através do uso do livre arbítrio e pelo sofrimento das consequências oferecidas pela Lei Divina a cada mobilização de potências para nós disponíveis.
Está claro que o sofrimento oriundo de situações vivenciais das mais variadas ordens concorre para que se opte pelas mortes prematuras como caminhos pertinentes para a solução de problemas, fato que considera a intencionalidade das ações e nos revela a necessidade de refletirmos sobre os propósitos que nos movem na vida em sociedade.
Joanna de Angelis nos apresenta o Homem-sensação, criatura historicamente localizada que tem como fruto de longuíssimo processo evolutivo a possibilidade de mobilização de capacidades na busca da fruição de sensações; sendo capaz inclusive de sufocar comportamentos instintivos para vivenciá-las.
Ainda profundamente movidos pelas sensações e portadores de várias dificuldades para mobilizar sentimentos, muitas vezes somos tomados por dores superlativas para as quais é difícil formular respostas de longo prazo que nos ajudem a superar o momento de forma diferenciada, o que nos leva a ações pontuais que trazem consequências consideráveis para o espírito a longo prazo.
Em outros casos mantemos propósitos estreitos e persistentes, circunscritos à dimensão material, que fazem com que olhemos para a vida com olhar distorcido. Distanciando-nos do prumo seguro oferecido pela lei divina e mergulhando-nos no orgulho, na vaidade e no egoísmo, valores que segundo o espiritismo, precisam ser desmontados para que possamos ser felizes enquanto indivíduos interconectados na criação de Deus.
Em ambas as situações, como criaturas imperfeitas e densamente materializadas, seguimos mobilizados pela matéria chegando, em alguns casos, a negar a faceta espiritual de nossas essências. Esta miopia espiritual leva-nos a decisões que consideram prioritariamente as dimensões sensoriais da matéria e que visam sanar a dor de forma rápida e com o menor esforço possível possibilitando, assim, a fruição das oportunidades materiais com maior intensidade ou a libertação das dores e sofrimentos vivenciados.
Enxergando a dor e as dificuldades como impedimentos à felicidade e ao bem-estar, sofremos ao vivenciarmos expectativas frustradas. Expectativas que foram fundamentadas em interpretações parciais e incompletas da vida, por vezes distantes de um propósito espiritual maior.
É certo que nossas dores e dificuldades são apresentados pela lei divina de maneira proporcional ao nosso grau de desenvolvimento espiritual e que muitas vezes a promoção de mortes prematuras por um sujeito pode seguir por muitos anos sem ser vista por ele como um equívoco. Mas, como a lei é de progresso e o destino é a felicidade oriunda do dever moral cumprido em sua mais ampla acepção, o momento de conscientização sempre nos atinge provocando-nos a modificar nossas formas de ver, sentir, pensar e agir no mundo. Este despertamento chega naturalmente pelas dores que nos apontam perspectivas que precisam ser revistas no momento atual. São, portanto, lições de aprendizado que nos legarão ganhos espirituais e não impedimentos à felicidade.
Mobilizados pelo presente material e sentindo a urgência que a vida de escassez nos oferece, acabamos deixando de buscar uma visão sistêmica que justifique o padecimento e aponte novas possibilidades. Deixamos de ver os ciclos repetitivos de dores em que nos mantemos e ficamos cegos à misericórdia divina que nos oferece os recursos de superação.
A promoção de mortes prematuras pode ser vista, portanto, como o sintoma de nossa imperfeição enquanto criaturas que não veem a continuidade da vida após o encerramento das possibilidades biológicas e nem o propósito espiritual de tais vivências. O que nos leva a agir como se fôssemos criaturas com existências restritas, curtas e reguladas por um sistema de escassez onde não há recursos suficientes para que todos fruam das sensações materiais com o maior vigor possível.
Muitas vezes justificadas pelo amor aos nossos queridos e pela impossibilidade de vê-los sofrer, desconsideramos que mesmo a dolorosa oportunidade é campo fértil onde plantamos nossa felicidade porvindoura.
Descrentes da continuidade da vida após a morte do corpo físico e da necessidade das vivências materiais para que atinjamos a felicidade espiritual, agimos a favor de nós mesmos e do outro promovendo mortes prematuras para nos resguardarmos da dor e do sofrimento.
Mas, como nada se perde na lei natural e a natureza não dá saltos aprimorando-se vagarosa mas constantemente na direção do belo, do puro e do bem, precisamos olhar para os atos, pensamentos e sentimentos de desvalorização da vida como um momento necessário de nossa jornada evolutiva.
Os espíritos sugerem a benevolência para com todos, a indulgência para com a imperfeição alheia e o perdão das ofensas como os caminhos concretos para a prática da caridade que um dia a todos nós legará indizível estado de plenitude espiritual.
Isto significa dizer que todos nós temos o direito ao erro como caminho para aprendermos a escolher o que é certo e que precisamos do apoio daqueles que conosco caminham sofrendo as consequências de nossas ações para que consigamos construir novas estruturas de pensamento/sentimento/ação.
Cabe à lei divina regular as consequências dos atos de acordo com as necessidades de cada espírito e a nós, irmãos em criação, o dever de aliviar a dor sempre que possível. Não nos cabe, conforme o Cristo nos ensinou, o julgamento dos outros. Devemos nos utilizarmos desta capacidade para identificar nossos próprios movimentos equivocados e buscarmos melhores opções. O julgamento tem ambiente restrito ação, está circunscrito a nós mesmos, embora ainda tenhamos dificuldades de concebê-lo desta forma.
A misericórdia divina atua incessantemente sobre todos nós oferecendo exemplos simples de resiliência, de persistência e de esforço contínuo. A natureza talvez seja o melhor exemplo deste fato. Mesmo agredida das mais variadas formas, Perdoa sempre. Ou seja, dá amplamente a todos e continua florescendo, buscando novos caminhos e apresentando beleza até mesmo nos recantos mais devastados. É a misericórdia divina se manifestando para nos convidar à abertura de novos tempos de esperança.
Vivenciamos no início de nossas jornadas como princípios inteligentes a todas estas lições e, através delas construímos os instintos que nos guiaram de forma segura até a tomada de consciência a cerca de nós mesmos. Temos inscritos em nós estes conceitos apreendidos e cabe-nos agora colocá-los em prática de forma consciente. Perdão, solidariedade, afeto e apoio são algumas das ações que residem em germe nestes conceitos adormecidos pela busca das sensações.
Deus é infinitamente bom e justo tendo nos destinado à perfeição, ou seja, dá a todos as oportunidades de crescimento de que necessitam. Se nos fixarmos nesta perspectiva da vida seremos capazes de olhar para nossas situações de dor e compreender que juntamente com elas há os lenitivos necessários para seguirmos em frente investindo na vida como seres imortais apesar da dor que experimentamos.
Seremos ainda capazes de compreender que nenhum desafio é maior que nossas forças e que, se por hora nos sentimos amedrontados diante dos desafios de crescimento, é porque ainda não aprendemos a fazer de maneira diferente e próspera espiritualmente falando.
Os espíritos nos ensinam que a dor é o bem mais precioso que temos. É através dela que crescemos, desenvolvemos competências e descortinamos a dimensão espiritual a que pertencemos. Possamos enfrentar nossos medos e dores com toda a força que conseguirmos mobilizar para supervalorizar nosso propósito espiritual, o caminho de crescimento e o dom da vida.
Somente por este caminho conseguiremos eliminar de nosso rol de possibilidades as mortes prematuras como solução para problemas. Somente pela abertura de nossa visão de mundo seremos capazes de significar tais desafios.
Inspiremo-nos no sol que diariamente desperta no horizonte informando-nos que temos um novo dia para seguir em frente e tentarmos fazer um pouco melhor do que no dia anterior.